Eu sinto como se uma força muito forte tentasse todos os dias me
corromper, me cooptar para as sombras, eu nasci bom, mas eu não sei até quando
essa bondade vai residir intrínseca ao meu caráter, um anjo e um demônio moram
dentro de mim, travam uma guerra que por vezes, posso sentir o baluarte dos
sinos que ecoam e resvalam nas paredes do meu intestino, nos corredores do meu
cérebro, uma guerra só tende a produzir efeitos negativos que se refletem na
minha saúde mental, não sei por que ainda me mantenho racional, atento e
saudável frente a essa guerra, um dos lados deve estar perdendo, mas sinto como
se isso fosse infinito, por vezes o demônio tem a glória da vitória nessa
batalha, por vezes me entrego aos prazeres mundanos tão repugnantes quanto à
realidade que se faz presente no mundo em que vivo, por vezes sinto-me
satisfeito, extasiado no prazer propiciado pela realização das minhas vontades
instintivas, por vezes o isolamento se faz a alternativa em face das conturbações
provenientes dos raios que se chocam nos meus lapsos de paranóia.
O mundo da imaginação é o mundo em que vivemos, atribuímos significados
valorativos de cunho egológico com caráter dogmático como se fossemos deuses.
Eu acho engraçado a lacuna que se estabelece entre o devaneio, e o que é
propriamente real, uma piada, porque rir é a conseqüência do meu desespero e da
minha felicidade, sorrindo eu esqueço o significado que permeia minhas
impressões. A ironia é a minha ferramenta predileta, é subliminar e precisa,
traduz a ausência de sentido inata à mortalidade, é influência ao hedonismo, é
influência ao cultismo do que me dizem ser importante, a ironia é a prancha em
que surfo nas ondas do mar do pais tropical que tenho tanto orgulho, eu não
ouso por meus pés nesse mar sujo, muito menos amo esse pais, eu respeito ambos,
muito embora não tenha motivos para isso.
Por vezes o anjo tem a glória da vitória, por vezes me surpreendo em face
das minhas ações de benevolência frente ao próximo, eu poderia moldar a visão
de cada um na realidade que fosse conveniente para a obtenção dos meus desejos,
eu ajudo pessoas, eu relevo ofensas, eu tenho uma consideração natural por
qualquer um que ouse interagir com a embalagem na qual me encubro, por vezes me
sinto bem, completo e pleno, mas isso não se mostra suficiente frente a todas
as circunstancias.
O sorriso de um homem em cujo o corpo, a metafísica, os anjos e os
demônios travam uma guerra, se observado de perto, é composto por sangue, é
esconderijo dos vermes que aguardam o apodrecimento da carne frente ao tempo, é
também, objeto da memória de quem vivenciou momentos em que as cores deram a
este sorriso uma significação verdadeira e feliz.
Eu não torço para nenhum dos dois
e por isso sigo o meu próprio caminho, sorrio e digo:
- Que vença o melhor ou que lutem
exaustivamente até o dia da minha morte, porque ela é a única coisa que não posso
evitar, estamos condenados, ninguém merece mais isso do que nós.
J.