Estou cansada. Virando
três madrugadas consecutivas para dar conta de uma existência que se fundamenta
no fazer teatral. Preparo aulas, viajo para assistir a um espetáculo que
dirigi, volto. Vou à Reitoria exigir que não acabem com um curso de Artes
Cênicas criado às pressas e sem condições, mas que, justamente pela vontade
inquebrantável de meus pares, resiste e cria produções as vezes não tão
elaboradas, mas que tateiam com afinco essa vastidão do fazer para ser visto.
Nada de heroico nessa perspectiva. É assim porque o teatro não se estabelece de outra forma, não admite gente morna, meia fase. É um povo apaixonado, tesudo, e eu mais uma entre tantos.
Nada de heroico nessa perspectiva. É assim porque o teatro não se estabelece de outra forma, não admite gente morna, meia fase. É um povo apaixonado, tesudo, e eu mais uma entre tantos.
Estou
cansada
pra caralho (caralho: genital comum a toda espécie. Quem não tem, foi
concebido com participação de um), e queria dormir. Mas a mais
de uma hora tem uma ruga na minha testa e um desconforto que me
atravessa
inteira.
Hoje um colega expôs com sua turma parte do resultado de um Laboratório de Interpretação. Um dos dispositivos para a criação de cena foi a nudez. Em seus diversos aspectos: despir-se dos pudores em relação a si, mais do que tirar a roupa.
Hoje um colega expôs com sua turma parte do resultado de um Laboratório de Interpretação. Um dos dispositivos para a criação de cena foi a nudez. Em seus diversos aspectos: despir-se dos pudores em relação a si, mais do que tirar a roupa.
Coincidentemente,
em outro canto e planeta, também hoje, um aluno de uma instituição em que
trabalhei foi expulso. E não só expulso. Foi autuado com um boletim de ocorrência,
registrado por um professor, em que consta “atentado ao pudor”. Porque estava
nu em cena, e se masturbava. Cena essa previamente autorizada pelo coordenador
do curso.
Aqui, o público
parecia lidar com um fenômeno extraterrestre: perguntou aos atores qual era a
sensação de estar nu em cena. Como se nunca tivesse estado nu no banho, durante
o sexo, na sauna, no carnaval. Como se nunca tivesse sido índio, visitado praia
nudista. Como se tivesse nascido de roupa, de mãe vestida. O público perguntou
aos atores como foi dizer aos pais que ficariam nus. Como se os pais não
tivessem estado nus, aos olhos - toques, beijos - uns dos outros para conceber
estes mesmos meninos sobre o palco.
Eu sentada na poltrona
do teatro, sentada agora na almofada com o computador no colo, com o mesmo
corpo. Essa forma pela qual se dá a minha e tantas outras existências no mundo.
Me ponho a pensar em quão antigo é o Wooodstock
e em como foi que as coisas caminharam de forma a tornar, de novo e outra vez,
a exposição do corpo em tabu.
O que teremos
feito do amor livre e dos ideais hippies
– hoje tão tacitamente risíveis – para que o sexo e tudo o que se relaciona ao
corpo, à maneira da Idade Média, tenha se tornado sinônimo de imundície,
perversidade, libertinagem? Que músicas teremos tocado através dos tempos para
que o deus que dança, do também antigo Nietzsche, tenha se retirado do nosso
convívio?
Eu – o corpo que
sou – mantenho involuntariamente a ruga na testa ao imaginar o aluno expulso. Em
como lhe tratarão os colegas, a família, o bando, a polis, a matilha, a
sociedade. Essa mesma que faz vistas grossas ao turismo, ao assédio sexual. Que
não vê o alto escalão aliciar com seu dinheiro às crianças das classes
miseráveis, ao mesmo tempo em que tem a obsessão de manter virgens e puras às
suas filhas. Ou pelo menos a aparência delas.
Talvez o aluno expulso se convença, ele
próprio, de que fez algo condenável. Talvez ele, de artista, se converta ao
mais novo bastião da moralidade. E então, que saudável uso teremos feito de
nossas atribuições enquanto professores, e de nossos dispositivos de ensino!
Tal como os jesuítas, teremos catequizado mais um bom selvagem aos nossos moldes
civilizados. Que esse negócio de ficar pelado e relacionar-se despudoradamente
com os deuses só pode ser coisa do capeta, né?
... São Bom Capeta, Rogai por nós, os fundamentalmente vestidos!
PS: Essa seção trata-se de texto que não são de nossa autoria, mas que divulgamos pelo caráter fantástico do que lemos. Não sei o nome do autor desse texto, mas encontrei nesse blog : http://costuradaparadentro.blogspot.com.br/?m=1 , ótimo blog . Abraços.